De volta à programação normal!
Semana passada não consegui atualizar a newsletter por motivos de - rufem os tambores - EU TENHO UM NOVO ESPECIAL!!!!!!!
Se você já assistiu, muito obrigado! Se não, dá uma chance e depois compartilhe entre seus amigos, familiares, e pede pro Casimiro reagir. Além disso, eu também vou rodar o Brasil com um solo novinho em folha chamado Sonhos Morrem Jovens.
Estreia em São Paulo, dia 12 de Junho, no Clube Barbixas. Ingressos aqui
Tenho trabalhado bastante e sempre que penso em trabalho uma pergunta surge: como posso me livrar dele?
O melhor jeito de se livrar do trabalho é trabalhando, um método que pouco me agrada porque implica na possibilidade de ter que trabalhar. O problema é que sou a pessoa mais preguiçosa que conheço. Sou mais do que preguiçoso: sou apaixonado pela preguiça. Tenho tanta preguiça que chega a ser exaustivo. O que, por motivos óbvios, tornou meus últimos meses insuportáveis.
Em tempos de pandemia, pude observar uma estranha corrente na internet que apontava com muito afinco a incrível produção de material que Shakespeare foi capaz de gerar durante o período da praga. Sei pouco sobre o sujeito, confesso, mas não acredito que Shakespeare seja tão prolífico quanto dizem, visto que, pelas minhas pesquisas, ele não escreve nada novo há séculos. Não me entendam mal, é importante ser produtivo. Essa newsletter é a prova viva que estou tentando. Mas a questão é que muitos lutam por novos modelos de trabalho, mas quase ninguém luta pela preguiça. Algo compreensível, já que formalizar um Sindicato da Preguiça daria muito trabalho, o que qualquer preguiçoso reprovaria.
Meu ponto é que os humanos são inconscientemente a favor da preguiça, a sociedade os corrompe. Olha o caso da barba masculina. Se você pensar bem, a barba é apenas uma maneira elegante de se comprometer com a preguiça como um estilo de vida. Sem preguiça, não há barbas. E aquele dispenser no banheiro da sua empresa? Aquele que, depois de apertado, despeja uma pré-espuma de sabão. Pré-espuma de sabão. Que conceito, hã? Afinal, quem aí tem tempo pra esfregar as mãos?
E há vantagens na preguiça.
Platão disse uma vez que a necessidade é a mãe da invenção. E acho que a preguiça tem a guarda conjunta. A preguiça é um tomador de decisão fantástico. Quem nunca teve um pensamento suicida e resolveu deixar pra depois porque daria muito trabalho? Primeiro, você tem que pensar em uma das muitas formas de suicídio e atualmente existem uma variedade enorme de opções no mercado. Desde enfiar o nariz molhado na tomada até comer em péssimos restaurantes. Depois, se você tem um bichinho de estimação, é preciso pensar o que fazer com ele. A sua cara não é exatamente o que o seu gato vai querer comer no café da manhã. O que nos leva ao problema do bilhete de suicídio. Não sei vocês, mas o meu primeiro tratamento nunca é bom. Eu ia precisar revisar meu bilhete algumas vezes. Então, depois de algumas semanas enrolando com o texto depois de ler 4 manuais de roteiro ao mesmo tempo, acabaria pensando: "Quer saber? Acho que vou jogar videogame".
Portanto, não se mate. Dá muito trabalho. Procure um médico e deixe essa pessoa trabalhar por você.
Por outro lado, a preguiça é eficiente. Deus construiu o mundo em incansáveis 6 dias. Você já deu uma olhada no resultado? A Terra é legal, mas, tipo, não é perfeita, sabe? Ainda existem terremotos, pragas, tsunamis e conservadores. Se Deus tivesse passado o quinto dia vendo vídeos no Tik Tok, acho que o resultado seria muito melhor.
Eu trabalhei durante muitos anos em escritórios, portanto, tenho um certo lugar de fala nesse debate. Fui estagiário na Anvisa e trabalhei um tempo numa agência publicitária, e, claro, às vezes, sinto falta de estar em um escritório. Pensamento que logo morre quando lembro dos que habitavam esses espaços. Antes de trabalhar em um escritório, eu não tinha ideia do número de pessoas que não sabem como usar um vaso sanitário. Nas entrevistas de emprego, ao invés de perguntarem qual é o bicho favorito do candidato, seria mais produtivo se mandassem: “Qual a sua opinião sobre descargas? Você é contra ou a favor?”.
Claro, faz muitos anos que não trabalho em ambientes normais. Não sei exatamente o que mudou. Meu último trabalho formal foi nessa agência onde pedi demissão para virar humorista. Meu chefe me pediu para encontrar um substituto igualzinho a mim, mas infelizmente não encontrei ninguém que odiasse aquele lugar tanto quanto eu.
Mas, honestamente, cá entre nós, não seria todo e qualquer trabalho um convite para inquietações existenciais profundas? Alguma vez no trabalho você se sentiu como se estivesse sendo pago para ficar triste? Então, precisamos falar sobre a minha nova série favorita, Severance.
Criada por Dan Erickson e dirigida (na maior parte) por Ben Stiller, Severance é a nova produção da Apple TV+ que está na boca do povo! A história acompanha um pequeno grupo de funcionários na divisão de refinamento de macrodados - seja lá o que isso significa - de uma megacorporação. Os funcionários ficam sentados o dia todo em suas mesas, analisando números em um computador e não falam sobre nada além de trabalho. Até aí, parece meu último emprego em um escritório, a reviravolta, por assim dizer, está em como eles foram parar nesse lugar: esses funcionários foram submetidos a um procedimento cirúrgico chamado “ruptura”, no qual as memórias pessoais são literalmente separadas das memórias do trabalho. No momento em que entram no escritório de trabalho, eles não têm ideia de quem são do lado de fora, no “mundo real”. Tudo muda, no entanto, quando uma “nova garota” chega ao escritório e começa a confrontar essa realidade absurda que é naturalizada por todos.
É difícil comentar sobre essa série sem falar do humor, mas especificamente o tipo de humor que o projeto abraça. Severance é um bom exemplo de sátira juvenil. Um tipo de sátira caracterizada por sua natureza amarga, abrasiva e, principalmente, pessimista. Os alvos normalmente são as instituições e isso é claro na série. Na verdade, Severance soa como uma parábola da vida moderna que tenta retratar os ambientes de trabalho como “cultos religiosos”, onde existe uma devoção fanática ao que pouco importa. Os vícios do capitalismo e da cultura corporativa são desconstruídos ao longo da trama, que examina o quanto as empresas tiram de seus funcionários e o pouco que oferecem em troca. O resultado é um thriller sci-fi tenso, crítico e muito, muito divertido.
E falando sobre o equilíbrio entre vida profissional e pessoal, precisamos falar sobre Mr. Morale & the Big Steppers, novo disco de Kendrick Lamar.
Lançado na última sexta, o projeto funciona como uma coleção de ensaios sobre fama, fidelidade, trauma geracional, moralidade, religião, relacionamentos; porém, diferente de outras obras do rapper de Compton, Mr. Morale & the Big Steppers não se preocupa em criar uma coesão narrativa, como acontece em Good Kid, M.A.A.D City e To Pimp a Butterfly. Mas isso parece ser intencional. O disco, dentre muitas coisas, é sobre abrir mão do perfeccionismo e abraçar as nossas imperfeições mais profundas. Não por acaso o disco conta com a participação do “guru de autoajuda” alemão Eckhart Tolle. É como se fosse uma espécie de sessão de psicanálise. E por esse mesmo motivo o trabalho é repleto de provocações e discussões desconfortáveis (mas necessárias).
Mas, principalmente, Mr. Morale & the Big Steppers é sobre a linha que divide a vida pública e a vida privada de Kendrick Lamar. O rapper parece querer ser um parceiro melhor para a sua companheira, um filho melhor, um pai melhor - uma pessoa mais presente nos relacionamentos que mais importam em sua vida. Mas esse não é um caminho fácil. Em um mundo tão definido pelas impressões, pela foto no Instagram, pela quantidade de seguidores que você acumula nas redes sociais, pela personalidade que você assume no LinkedIn, onde as pessoas têm medo de serem elas mesmas, Kendrick Lamar parece disposto a contar ao mundo quem ele é (por pior que seja).
O que realmente importa é que ele está tentando se revolver.
Ouça Mr. Morale & the Big Steppers:
Gostou do post? Assine: