As Aventuras de Lourival Rocha (continuação)
O detetive Lourival Rocha investiga os assassinatos misteriosos de dois humoristas enquanto enfrenta hipocondria, paixões não correspondidas e um possível diagnóstico terminal. E não é nem meio dia
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Lourival Rocha estava sentado na delegacia, sem esperanças. Tinha certeza de que lhe restavam apenas poucos meses de vida e, se isso não fosse o bastante, ele ainda precisava bater o ponto. Vida desgraçada, pensou, fitando o nada. Primeiro, eu nasci; agora, isso. Lourival Rocha sabia que existia uma linha tênue entre pensar positivo e mentir para si mesmo, e ele estava se equilibrando nela. Foi quando Dirceu se aproximou, ainda terminando de vestir uma jaqueta de couro.
— Vou dar um pulo no centro em um workshop de comédia pra ver se descubro alguma coisa — disse o policial novato, que estava sempre tentando mostrar serviço.
— Ok — respondeu Lourival Rocha, introspectivo.
Dirceu percebeu que algo não estava certo.
— Que cara é essa? Aconteceu alguma coisa? — perguntou, com uma expressão carregada de preocupação.
— A vida, Dirceu. A vida aconteceu — resmungou Lourival Rocha bem baixinho, falando para dentro. — Não se preocupe comigo, Dirceu — garantiu Lourival Rocha com firmeza. — Se descobrir novidades, não deixe de me avisar. Te vejo amanhã.
— Se Deus quiser. Até — respondeu o policial, pegando um molho de chaves, o isqueiro zippo e o pacote de cigarros em cima da escrivaninha.
Se Deus quiser. Lourival Rocha ficou quieto pensando na frase, enquanto assistia Dirceu desaparecer no corredor. Ele tinha certeza de que não havia um mundo metafísico e por isso abdicou completamente de sua fé, embora ainda houvesse o medo de estar errado. Pensava na possibilidade de haver um Deus e por que ele não lhe soprava os números da loteria. Mas Lourival Rocha era forte e não se deixaria abater tão facilmente. O que a gente vê é o que existe. Rápida e trágica é a existência!, berrou uma vez, sob o efeito de álcool, para uma idosa no metrô, fazendo-a apertar a bolsa com mais força junto ao corpo. Claro que todos esses problemas poderiam ser facilmente resolvidos em um divã, mas Lourival Rocha também era conhecido por ser mão de vaca. Para não gastar dinheiro em terapia, ele costumava contar seus segredos mais sombrios para crianças durante palestras antidrogas nas escolas, razão pela qual o programa foi cancelado ainda no primeiro ano. Uma das crianças teve uma crise existencial profunda e nunca mais assistiu Papa-Léguas do mesmo jeito. Mas Lourival Rocha não tinha com quem conversar. Era difícil conviver com ele. Todos os sintomas da depressão soavam como uma descrição de sua vida. O que Freud classificou como pulsão de morte, Lourival Rocha chamava de “rotina”. Então, de repente, como se tivesse levado um choque de taser nas costelas, ele levantou da cadeira num sobressalto. O pensamento que atravessou seu cérebro feito uma bala tinha nome: Romina. Tomado por uma epifania, Lourival Rocha chegou à conclusão de que, se a existência escolheu nos cobrir com um véu opaco e sem sentido, frio e vazio, a única resposta lógica é o amor. Ele salvou o arquivo com o relatório, desligou o PC e partiu para o necrotério. Romina estava lá, sozinha, cercada de mortos, e Lourival Rocha concluiu que, um moribundo a mais, não faria diferença.
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Romina fotografava uma cabeça que havia sido reduzida a duas dimensões por causa da roda que lhe passara por cima, quando resolveu fazer uma pausa para um café. Ela não tinha problema nenhum em fazer pequenas refeições na companhia dos mortos. Ao contrário de Lourival Rocha, Romina sabia que era finita e lidava muito bem com isso. Abraçava o pensamento socrático: “A morte é uma longa noite de sono sem sonhos. Quando ela chegar, seremos reduzidos a nada”. Além do mais, gostava da companhia dos mortos. Quando se sentia sozinha, conversava com eles, sempre temendo o dia em que poderiam acabar respondendo. Algo que, vale lembrar, aconteceu somente duas vezes, embora Romina não soubesse que os cadáveres ainda estavam vivos. Sem falar que, para o seu próprio espanto, ela se apaixonou muito rapidamente pelo ofício. Costumava dizer que era movida a defunto e cafeína. Ela se sentia mais à vontade no IML do que em sua própria residência, especialmente porque tinha péssimos hábitos higiênicos. “Não é preciso temer a morte, isso seria honrá-la demais”, disse uma vez a sua irmã em trabalho de parto. Romina acreditava que nada é mais desprezível do que o respeito fundado no medo. E, nesse aspecto, a morte era tão digna de respeito quanto um ditador. “O que tiver de ser, será. A Morte nunca atrasa”, concluiu, segurando a mão da irmã que se esforçava para expelir aos berros o que acabaria por ser a sobrinha de Romina.
Romina terminou o copinho de café caminhando em direção à outra mesa de aço, onde outra barriga aberta sem órgãos a esperava, de outro corpo nu. Ela meteu a mão em um bolso do jaleco e puxou uma agulha presa a um barbante de sisal. A fibra biodegradável era a sua principal ferramenta de trabalho. Em sua profissão, Romina precisava determinar todos os dias uma das quatro possíveis formas gerais de um ser humano vestir o paletó de madeira: acidente, causas naturais, suicídio ou homicídio, além de uma quinta que surgia de tempos em tempos: morte indeterminada. Quando não sabia o que tinha acontecido, Romina considerava a morte juridicamente suspeita e colocava o caso sob investigação. Mas, independentemente do que havia acontecido, cedo ou tarde, todos levariam alguns pontos de sua agulha. Enquanto passava a agulha grossa e comprida na superfície da pele gélida, ela imaginou o que a sua mãe diria se a visse costurando um cadáver. E, de fato, precisou de bastante tempo para imaginar isso, já que tinha sido abandonada pela mãe ainda bebê e não fazia ideia de qual era a opinião da mulher sobre as coisas. Então, quando o morto já estava com aparência de um espantalho, Lourival Rocha abriu a porta silenciosamente e entrou calado. Ele parecia diferente, mais acuado, recluso. Romina reparou, mas não disse nada.
— Tem café ainda? — ofereceu, apontando com a cabeça, achando que a aparência assustada de Lourival Rocha fosse apenas sono.
— Tô bem, obrigado. — respondeu, ajudando Romina a cobrir o finado com um lençol branco. — Afogamento?
— Eu sempre fico de cara quando encontram mais um corpo boiando no rio. Será que ninguém nessa cidade sabe como usar um bloco de cimento e uma corda?
Lourival Rocha riu. Romina era a única que tinha conseguido esse feito mais de uma vez. Merecia a chave da cidade por isso. Contudo, Lourival Rocha logo fechou a cara como quem se lembra de uma dívida com um agiota. O destino, definitivamente, não estava a seu favor e ele sabia que ainda tinha espaço para piorar. Romina se dirigiu a outro serviço, desta vez, um sujeito que havia explodido sozinho a caixa craniana com uma espingarda do pai. Lourival Rocha foi junto. Cada um ficou de um lado da mesa de aço e, no meio, entre eles, como se fosse um gato dormindo na cama de um casal, o suicida. O cadáver não dizia nada, mas dava para ver pelo seu rosto que estava chateado.
— Escuta… — disse Lourival Rocha, receoso. — O que você vai fazer depois daqui?
Romina franziu a testa com estranheza, como quem observa um pedido de casamento em uma praça de alimentação.
— Nada… — respondeu, mais receosa que Lourival Rocha.
— Você… quer sair e comer alguma coisa?
— Tá tudo bem, Lourival? — disse, realmente preocupada.
— Por que eu não estaria?
— Você está sendo amigável.
Lourival Rocha engoliu em seco a consciência cruel do próprio comportamento ao longo dos anos.
— Desculpa, é que eu achei…
— Eu adoraria, Lourival. — concordou Romina, segurando delicadamente a mão do detetive. O IML era o ralo das misérias do mundo e por isso Romina havia desenvolvido uma sensibilidade fora do comum. Não precisou de mais nada. Bastou Lourival Rocha começar a falar que o seu coração entrou em combustão. Além do mais, o encanto que o detetive nutria por Romina era recíproco. Ela sempre gostou de Lourival Rocha secretamente, mas estava ocupada demais tentando fazer o casamento dar certo. Lourival Rocha abriu um sorriso enorme como se tivesse inalado gás hilariante e então, juntos, os dois começaram a vasculhar a massa cefálica do homem à procura de estilhaços.
Mais tarde, Lourival Rocha e Romina estavam em um bar lituano com mesinhas de mármore apropriadas para um filme de Truffaut, em silêncio, aguardando a refeição. Os dois não tinham um encontro amoroso há anos e, por mais que se conhecessem, só cabia constrangimento na situação. Lourival Rocha acreditava que conduzir um relacionamento era como montar uma espingarda: parece fácil nos filmes. Mas ele não desistiria tão fácil assim e faria o impossível para tornar a noite interessante, até porque poderia ser sua última.
— Como você consegue comer depois de amarrar uma cabeçona daquela? — perguntou Lourival Rocha, rindo, em tom descontraído.
— Legista é um bicho estranho, Lourival. Não dá pra ver o que a gente vê e continuar normal.
— Você parece bem normal... pra quem vê morto o dia inteiro.
Era uma espécie de comprovação do universo de que aqueles dois foram feitos um pro outro. Eles já estavam falando sobre a condição à qual todos os homens estão condenados, antes mesmo de terem provado a sobremesa.
— Nada. A morte é tão comum quanto um sofá. Eu já te contei como fui parar no IML?
— Não, acho que não — gaguejou Lourival Rocha, percebendo que, na verdade, ele nunca havia perguntado isso a ela.
— Mas eu te disse que tinha uma irmã, né?
— Sim, eu lembro de você ter mencionado algo sobre uma irmã — ele não lembrava, mas achou melhor mentir do que parecer desinteressado.
— Pois é — prosseguiu Romina — ela era mais nova, uns 11 anos, acho. Casou primeiro que eu, pra você ter uma ideia. E engravidou muito nova, sabe? Ela, ela...
Romina se calou no meio da explicação, como se fosse dizer alguma coisa, mas se conteve, receosa, e, ao retornar, sua voz estava sem vida.
— Ela morreu quando teve a minha sobrinha.
Romina fica introspectiva por um segundo. Então surge entre eles o início de um silêncio desconfortável. Lourival Rocha não sabe o que dizer.
— Eu estava segurando a mão dela quando tudo aconteceu. Foi a primeira vez que vi alguém morrer. Quer dizer, eu já sabia que as pessoas morriam...
Romina quebrou o silêncio de Lourival Rocha com um sorriso, mas ele logo se calou e a deixou prosseguir:
— Mas foi a primeira vez que vi, mesmo, na minha frente, alguém desaparecer — explicou Romina, pensando por um segundo no que acabara de dizer — Porque foi essa a impressão que tive, sabe? Ela estava ali e, de repente, não estava mais. Desapareceu.
— Acho que sei do que você está falando. Aconteceu a mesma coisa com o meu pai.
— Ele morreu nos seus braços também?
— Não, na verdade, ele só era um péssimo pai e, por isso, imaginei ele morrendo algumas vezes.
— Certo... — respondeu a legista, enrugando a testa.
Romina não sabia, mas Lourival Rocha não jogava pedras no lado escuro do universo por mera diversão. Ele era fruto de uma infância dolorosa, uma adolescência definida pela culpa e uma vida adulta marcada pela conturbada experiência de estar vivo, à qual era contra. Lourival Rocha conheceu o desacerto e a angústia do mundo ainda menino. Quando criança, a meninada do seu bairro corria atrás do caminhão de sorvete, que, por sua vez, corria atrás dele para atropelá-lo. O motorista dizia apenas que não ia com a cara do garoto. Além do mais, Lourival Rocha se culpava pelo desaparecimento da própria mãe. Quando tinha 12 anos, ele comprou um kit de mágica em uma lojinha de R$ 1,99 e, ao fazer o primeiro truque, algo deu errado e a mãe dele sumiu. A verdade é que a mãe de Lourival Rocha resolveu fugir com o amante justamente naquela semana, mas o pai dele preferiu deixá-lo achando que era um ótimo ilusionista. Lourival Rocha passou a morar sozinho com seu progenitor, o que agravou ainda mais sua perspectiva trágica em relação ao mundo. Uma vez, aos 10 anos, Lourival Rocha foi sequestrado por bandidos encapuzados. Foram dias difíceis para o garoto, já que sua família pediu mais provas depois que os sequestradores enviaram um dedo de seu pé. Ao terem certeza, o pai de Lourival Rocha fez tudo que estava ao seu alcance para negociar com os criminosos, inclusive, oferecendo uma boa quantia em dinheiro para que eles não o trouxessem de volta. O pai de Lourival Rocha morreu jovem, com 47 anos, no banheiro de sua casa, da mesma forma que Elvis Presley. Teve um infarto agudo, mas costumava fazer cosplay do cantor nas noites de sábado. Foi então que Romina, ainda tentando incluir Lourival Rocha na conversa, perguntou o óbvio:
— Mas você já teve alguma experiência mais íntima com a morte? Digo, para além do trabalho?
— Bom... — respondeu Lourival Rocha, puxando pela memória — Uma vez, o cachorro do meu melhor amigo ficou bem doente.
— E ele morreu?
— Eu não sei, eu fui embora antes disso — respondeu Lourival Rocha, levando a taça de vinho à boca.
Ele simplesmente não conseguia encarar a morte de frente. Diante do absurdo que é a existência humana, sem sentido e curta, Lourival Rocha achava mais seguro chamar um táxi. Romina entendeu isso logo de cara, mas ainda não compreendia a origem da fascinação do detetive pela morte. A questão é que Lourival Rocha não era fascinado pela convicção de que acabaria morto; ao contrário, evitava a todo custo. A verdade é que ele temia a morte e o mistério que a envolve. Pode ser qualquer coisa, costumava pensar: o paraíso, o inferno, ou, muito provavelmente, o nada absoluto.
— Eu não entendo. Por que a morte te perturba tanto, Lourival? — perguntou Romina, indo direto ao ponto, já que, como legista, confiar em hipóteses nunca era uma opção.
— Por que é o evento mais importante da sua vida? — respondeu Lourival Rocha. — Os dois eventos mais importantes da vida são o seu nascimento e a morte, mas pelo menos no primeiro você consegue boas fotografias. Romina ficou em silêncio, pensando se deveria mesmo dizer o que estava pensando, e, ao ter certeza, disparou:
— Eu não sei se você acredita mesmo no que diz.
Lourival Rocha encarou Romina pela primeira vez de um jeito diferente, com uma ponta de raiva acendendo nos olhos.
— O que você quer dizer?
— Eu acho que — disse Romina, se posicionando melhor na cadeira e pegando fôlego para o que vinha — você perde tempo pensando na morte apenas para evitar a vida, Lourival.
— Isso não faz nenhum sentido — rebateu Lourival Rocha, esboçando uma expressão tão severa que acabaria com qualquer flerte.
— Não é a morte que te assusta, Lourival. É a vida — concluiu Romina, certeira.
— Eu não entendo onde você quer chegar.
— O que eu estou tentando dizer — prosseguiu Romina — é que você pensa: "todo mundo vai morrer, logo, nada importa". Não acredito que você pense assim de verdade. Acho que você quer acreditar nisso para justificar seu ódio pelas pessoas.
— Não acredito que você está dizendo isso — retrucou Lourival Rocha, mostrando-se furioso. — Romina, por favor!
— Lourival, você tem aversão a pessoas.
— Eu não as odeio — disse Lourival Rocha, reagindo com um olhar resignado — Só prefiro que não estejam por perto.
As palavras de Romina atingiram Lourival Rocha profundamente. Ele estava visivelmente confuso, e sua mente parecia se fragmentar em inúmeras direções, lembrando a cabeça que ajudou a suturar horas antes no necrotério. Vendo o efeito de suas palavras, Romina explicou:
— Lourival, não me interprete mal. Eu sei que as pessoas podem ser horríveis. Pelo amor de Deus, eu trabalho no IML!
— Mas esses pensamentos não te incomodam, Romina? O que você acha que vai acontecer quando chegar a sua hora?
— Sinceramente? Acredito que, quando morrer, vou apodrecer e nada da minha essência persistirá.
— Então... se a existência humana é uma experiência tão terrível, por que continuar? Por que não simplificar e evitar todo o sofrimento?
Romina ri discretamente do comentário de Lourival Rocha e responde:
— Sabe, você está certo, Lourival. A realidade é horrível, mas é tudo que temos. A felicidade não deixa de existir porque a vida não é eterna ou porque as pessoas não prestam. Somos nós que criamos nossa própria felicidade. Você vai morrer de qualquer forma, Lourival, e o mundo, a realidade, ou seja lá o que for, é indiferente ao que você pensa.
— Mas qual é o propósito de tudo isso? — indagou Lourival Rocha, com uma expressão e tom de voz absolutamente neutros.
— O propósito, Lourival, é que somos cosmologicamente insignificantes, mas o simples fato de eu e você estarmos aqui, conversando, já é suficiente para mim. Sim, o universo vai se tornar um lugar escuro, frio e vazio... mas, quem se importa? Não é incrível que, em meio a tudo isso, a gente tenha se encontrado?
Lourival Rocha percebeu a dúvida surgindo em seus olhos e limitou-se a dizer:
— Vou sair para fumar. Já volto.
Lourival Rocha fumava um cigarro no beco, trajando um elegante terno feito sob medida. Depois de voltar da terrível consulta, optou por andar somente com seus melhores trajes, pois acreditava que a qualquer momento uma ambulância poderia vir buscá-lo. Sobre sua cabeça, um letreiro luminoso com algumas lâmpadas apagadas piscava as palavras "Baiuca's Bar". Cabisbaixo, ele exalava fumaça, fitando o vazio. “A realidade é horrível, mas é tudo que temos", a frase repetia-se em sua mente involuntariamente. O discurso de Romina havia mexido com Lourival Rocha, um homem que tomava medicamentos pelos efeitos colaterais. Tudo que a legista lhe dissera momentos antes agitava sua mente. Aquilo teve o impacto de uma bomba de nitrogênio. Ele estava em um estado de lucidez esquizofrênica. Romina estava certa em muitos aspectos, mas Lourival Rocha ainda tinha reservas. Aquilo que Romina via como uma razão para viver, ele via como uma excelente razão para morrer. As grandes questões da vida o perturbavam, e nenhuma resposta o satisfazia; daí a sua necessidade de se distanciar. Não estava, de fato, com vontade de fumar; apenas queria evitar um confronto com Romina. Ele preferiu esfriar a cabeça e retomar o encontro mais calmo. Para Lourival Rocha, as pessoas podiam ter pontos de vista diferentes e ainda assim compartilhar gostos similares. São Paulo e Nietzsche tinham um talento semelhante para provocação, mas dificilmente se sentariam juntos em um bar e, depois, iriam ao cinema. Estava prestes a apagar o cigarro quando recebeu uma ligação da delegacia. Era o técnico de necropsia. Um corpo havia sido entregue ao necrotério. Dessa vez, não era um humorista cerearese nem um anão numa fantasia de galinha, era o policial Dirceu. Lourival Rocha soltou um profundo suspiro, resmungando: Que merda. A morte do colega provocou em Lourival sentimentos tumultuados. Lembrou-se do que Romina havia lhe dito anos atrás, que ela acreditava que a morte era como um cochilo profundo, uma noite de sono sem sonhos. Mas uma pergunta o assombrava: "E se houver sonhos?". Ele ponderou a questão enquanto se preparava para contar a Romina sobre o trabalho da manhã seguinte. Informou o técnico de necropsia que estava a caminho e guardou o celular. Acendeu outro cigarro, pensando que, após todo sonho, vinha a realidade.
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